O que diz a primeira regulação brasileira sobre Inteligência Artificial?

A regulação da inteligência artificial é um tema que tem ocupado a pauta de países em todo o mundo. Do AI Act europeu à Estratégia Nacional de IA da OCDE, o debate se intensifica na medida em que a tecnologia se torna elemento estrutural de decisões econômicas, políticas e sociais. No Brasil, um passo significativo acaba de ser dado. O Estado de Goiás apresentou o Projeto de Lei Complementar nº 15/2025, que institui a Política Estadual de Fomento à Inovação em Inteligência Artificial — uma proposta que merece atenção por seu equilíbrio entre proteção e inovação.

Construído a partir de uma escuta multissetorial e com forte participação pública, o projeto busca posicionar Goiás como referência nacional no uso estratégico da IA. Entre seus dispositivos, destaco cinco inovações que ajudam a compreender a maturidade da proposta:

1. Centro Estadual de Computação Aberta e Inteligência Artificial
Trata-se de uma infraestrutura pública voltada ao treinamento, desenvolvimento e pesquisa em modelos abertos de IA. Ao democratizar o acesso ao poder computacional — um dos principais gargalos do desenvolvimento tecnológico — o Centro oferece suporte a pesquisadores, empreendedores e instituições públicas. Com isso, reduz-se a dependência de infraestruturas privadas concentradas e abre-se espaço para a inovação distribuída.

2. Sandbox Estadual Permanente de Inteligência Artificial
A criação de um ambiente regulatório experimental e contínuo permite que startups, centros de pesquisa e órgãos públicos testem soluções inovadoras com segurança jurídica. O Sandbox reduz barreiras burocráticas, facilita a geração de evidências empíricas e aproxima formuladores de política, pesquisadores e desenvolvedores. É um modelo que antecipa riscos e acelera a aprendizagem regulatória, sem travar o desenvolvimento.

3. Regulação de Agentes Autônomos e IA Embarcada
O projeto trata de forma pioneira os agentes autônomos — sistemas com capacidade decisória própria — e a IA embarcada, que opera diretamente em dispositivos conectados, como equipamentos médicos ou veículos. Para ambos os casos, estabelece padrões de segurança operacional, supervisão humana mínima e responsabilidade técnica. É uma abordagem que reconhece a emergência dessas tecnologias e propõe balizas claras para sua adoção ética e segura.

4. Garantias em Decisões Automatizadas
Um dos aspectos mais sensíveis do uso da IA no setor público — e, cada vez mais, também no setor privado — é o impacto de decisões automatizadas sobre direitos individuais. O projeto estabelece o direito à explicação clara, à contestação e à revisão humana em casos em que a decisão automatizada afete diretamente a vida do cidadão. Isso alinha a proposta a boas práticas internacionais de governança algorítmica, como as promovidas pelo Fórum Econômico Mundial e pela Unesco.

5. Núcleo de Ética e Inovação em Inteligência Artificial (NEI-IA)
A criação de um órgão multissetorial, com representação da sociedade civil, academia, setor privado e governo, oferece um espaço institucional para o debate contínuo sobre os rumos da IA no estado. O NEI-IA terá papel consultivo e estratégico, garantindo que a regulação acompanhe a evolução tecnológica sem abrir mão de princípios fundamentais como transparência, inclusão e sustentabilidade.

O projeto de Goiás não é, formalmente, uma regulação com abrangência nacional — essa ainda está em discussão no Congresso Nacional. Mas é, de fato, a primeira iniciativa concreta, ampla e estruturada com força normativa no país. E talvez mais importante: é uma proposta que entende que o desafio da IA não é apenas técnico, mas também ético, político, econômico e institucional. Sua abrangência é limitada, do ponto de vista de restrições e punições, a aplicações feitas pela administração estadual. Apenas uma legislação federal poderá ir além, abrangendo aplicações feitas por empresas brasileiras e/ou usadas por brasileiros.

Mas, ao propor uma regulação que concilia proteção com fomento, Goiás vai além dos esforços do Piauí, que têm concentrado a atuação na instância do executivo (uma Secretaria de IA, por exemplo), criando um arcabouço transversal com maior potencial de impacto, e destravando o debate para além do falso dilema entre evitar riscos ou estimular a inovação: é preciso fazer as duas coisas em conjunto.

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